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·29 de outubro de 2025
Ex-Flamengo, Wallace explica paixão pela literatura e relembra biblioteca criada no Ninho do Urubu

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Nesta quarta-feira (29), o Brasil comemora o Dia Nacional do Livro. No Flamengo, o zagueiro Wallace ficou conhecido por sua paixão pela literatura, e o MundoBola Flamengo conversou com o atleta sobre a importância da leitura e a relação dos livros com o ambiente esportivo.
Revelado pelo Vitória, o defensor declarou que sua paixão pela leitura começou nos tempos de categoria de base no rubro-negro baiano. O jogador contou que, apesar das dificuldades na infância, sua mãe sempre o incentivou a focar nos estudos - o que foi crucial para o desenvolvimento do seu amor pela literatura.
"Diante disso, eu dei a sorte de ir para um clube que estimulava a literatura e coisas que não eram muito convencionais ao futebol. Tinha uma biblioteca lá e muitos jogadores universitários, algo fora do comum no futebol nacional", disse o atleta.
Wallace afirmou que enxergava os atletas mais experientes como um espelho, e, por isso, também começou a frequentar a biblioteca do clube. Contudo, o responsável por influenciá-lo diretamente a ler foi o ex-zagueiro Felipe Saad, que indicou o livro "O homem que matou Getúlio Vargas", escrito por Jô Soares.
"Ele falou: 'Cara, como você passa muito tempo ocioso aí, pega esse livro aqui, tu vai gostar'. Eu li o livro em dois dias, porque é muito bom. Aquilo me despertou um novo mundo em relação à literatura e comecei a buscar outros autores e outras histórias para que durante esse tempo de ociosidade eu pudesse agregar valor à minha pessoa", explicou o defensor do Londrina.

Foto: Reprodução/Internet
Durante sua passagem pelo Rubro-Negro, o zagueiro buscou incentivar os jogadores da base do clube a ler. Wallace montou uma biblioteca no Ninho do Urubu com diversos livros de sua coleção. O atleta teve como objetivo agregar valor aos jovens.
"Fiz porque fizeram um dia comigo e eu acredito muito nessa questão de troca. O clube me deu essa condição e o mínimo que eu poderia fazer pela instituição, além da questão do campo, era também agregar valor a outros atletas. O jogador profissional também precisa dar, além do exemplo de campo, outras visões mais amplas, porque a gente fica muito restrito", opinou o capitão do Londrina.
Para Wallace, a leitura é um hábito que se desenvolve aos poucos. "Você lê um livro de algo que te interessa, daqui a pouco começa a dominar o tema e vai buscar outros assuntos". O zagueiro de 37 anos afirma que o ato de ler transforma a percepção do atleta sobre o mundo.
"Quando o atleta tem essa consciência que ele consegue ler bem, ele vai ter um olhar mais crítico e uma compreensão melhor. Eu não me refiro somente ao livro que você lê, mas o que de fato está acontecendo no mundo, até porque o atleta de futebol tem uma bolha", analisou o jogador.
Em agosto deste ano, o atleta lançou seu primeiro livro, intitulado "Em defesa". De acordo com o autor, a obra é simples, de linguagem acessível, e aborda a tese que defender é mais difícil que atacar no futebol. A ideia para o livro surgiu após um debate com o técnico Eduardo Barroca.
"A gente tinha algumas discussões e debates sobre qual era mais difícil. Eu sempre defendia que defender é mais difícil, e ele defendia que atacar é mais difícil. Fui colocando ao longo desses anos aquilo baseado em números e das minhas experiências práticas", disse, antes de completar:
"A complexidade que é montar uma defesa, defender de forma correta, onde você cometa menos erros - porque a defesa sempre vai ter um erro. Eu trago esse tipo de reflexão para mostrar que eu tenho um ponto que tem muito peso", explicou o jogador.

Foto: Reprodução/Internet
Wallace afirmou que sua obra busca mostrar aspectos do jogo que não ficam visíveis a olho nu, tanto para a imprensa, torcedores e até mesmo para os próprios jogadores.
"Eu tento mostrar aquilo que não fica a olho nu, o que o jornalista ou o próprio torcedor não consegue enxergar - às vezes nem o próprio atleta percebe. Porque o atleta, ele não tem mais autonomia para pensar e ele também não quer essa autonomia. Então acaba que ele está só exercendo aquilo que é passado, mas ele não para para ter uma reflexão do que é o exercício que ele executa", analisou o ex-Flamengo.
O zagueiro tem como referência diversos escritores, como Machado de Assis, Jorge Amado, Nelson Rodrigues, George Orwell, Fiódor Dostoiévski e Liev Tolstói. Para Wallace, a literatura representa, ao mesmo tempo, a possibilidade de se libertar e de escravizar.
"Tem esse paradoxo. Quanto mais você busca e conhece, mais você sabe que não sabe nada. Então você vive nessa dualidade de se libertar e se escravizar em busca do conhecimento. Eu gosto disso. Cada livro que eu leio eu me liberto de algo, mas me escravizo em outros", explicou o jogador.
Para o capitão do Londrina, a busca por aprimorar a interpretação e as visões sobre o mundo é um dos atributos desenvolvidos com a literatura - aplicáveis no dia a dia dentro e fora do futebol.
No contexto esportivo, Wallace afirmou que a obra que mais o marcou foi a biografia do ex-tenista Andre Agassi. O zagueiro, apaixonado pela literatura, considera o livro o mais "visceral e sincero", além daquele que mais "falou diretamente" com ele.
"Acho que todos os atletas que eu indiquei a obra conseguiram perceber o mesmo que eu: a descrição do sentimento do que é a vida de um atleta nos momentos de alta e de baixa, quando você entra no platô da profissão e sua paixão vai ficando um pouco mais escondida. Até quando você redescobre essa paixão pelo esporte que tanto sonhou praticar quando era criança", disse.
De acordo com a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", divulgada pelo Instituto Pró-Livro em novembro de 2024, mais da metade dos brasileiros não lê livros. Wallace comparou essa realidade brasileira com a francesa, na qual há uma apreço maior pela literatura.
"A França tem um histórico cultural baseado na literatura, o Brasil não. Isso acaba se refletindo nos esportes - porque eu acho que não tem como dissociar o atleta da sociedade. Talvez a gente acabe botando algumas escamas nos olhos e não perceba isso, porque é muito mais fácil você taxar um grupo, dizer que esse grupo é responsável por algo e não se englobar nisso", disse antes de questionar:

Foto: Buda Mendes/Getty Images
"O Maracanã coloca 60 mil pessoas num estádio. Quantas daquelas, de fato, leem dois livros por ano? Então somente o jogador é burro? A nossa visão é um pouco míope, precisamos ver de uma forma mais ampla, pois isso não é um problema do jogador de futebol, isso é um problema da sociedade brasileira que o jogador está inserido", afirmou.
Wallace analisa que há muitas críticas em relação ao comportamento do jogador brasileiro, especialmente em relação à falta de posicionamento e à forma de se expressar. No entanto, o zagueiro destaca que a sociedade, em geral, também não apresenta essas características. "Então é desconexo exigir isso. Mas acho que a gente tem possibilidade de mudar".
Entre 2013 e 2016, o defensor disputou 168 jogos com a camisa do Flamengo - com sete gols marcados e três assistências. Pelo Mais Querido, Wallace conquistou a Copa do Brasil de 2013 e o Campeonato Carioca de 2014.









































